quarta-feira, 8 de abril de 2015

Templo Católico é tombado como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

Por: Marcelo Miranda



Em uma das transversais da Avenida Jerônimo Monteiro, no Centro de Vitória, mais precisamente na Rua do Rosário, quem passa sem atenção na correria do dia-a-dia não percebe, mas olhando a sua direita (no sentido do Theatro Carlos Gomes), uma pequena escada seguida de uma rampa dá acesso a um dos pontos mais marcantes e valiosos da cultura capixaba: a Igreja de Nossa Senhora do Rosário.

No início, um tablado com informações e uma foto em preto e branco conta um pouco da história da igreja e convida o visitante a encarar a subida íngreme até as escadarias principais (depois da rampa), escadas estas desafiadoras.

É após este exercício de força e perseverança que, olhando para cima, se avista a Igreja do Rosário, no alto do Morro Pernambuco, entre duas palmeiras imperiais, árvores estas importadas do Rio de Janeiro no ano de 1872.



Quem ali chega não imagina a quantidade de histórias do lugar, que atravessa o seu quarto século de construção. Tombado como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1945, o edifício teve sua construção iniciada em 1765, por mão-de-obra escrava, e concluída em apenas dois anos.

Ali, mais precisamente em sua parte interna, um ossário com restos mortais dos irmãos da ordem de São Benedito, e um antigo cemitério na área externa, desativado em 1912, guardam os restos mortais de uma figura ilustre: o Coronel João Antunes Brandão, comandante do contingente capixaba enviado à Guerra do Paraguai, que lutou na Batalha do Riachuelo.

A arquitetura é outro convite à contemplação e preservação da arte. Os altares da nave e as principais imagens de santos são expressões do estilo barroco, marca da arte religiosa do Brasil do século XVIII. Impossível não perceber o olhar vivo dos santos e santas, artificio este utilizado pela Igreja para manter-se onipresente aos fiéis na execução do intermédio entre o homem e o divino (característica muito comum à arte barroca).



Mas talvez a história mais identificada com Igreja seja a rixa histórica entre “Caramurus” e “Peróas”, diferença esta que mobilizou toda a cidade de Vitória no século XIX, e envolveu questões políticas e religiosas.

Celebração e rixa

Para se entender a briga entre “Caramurus” e “Peroás” é preciso voltar um pouco antes do ocorrido, mais precisamente paras as festas de Nossa Senhora do Rosário. As celebrações despertavam grande interesse na capitania de Vitória.

Porém, para os escravos ligados à Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, somente a devoção à Maria não era o suficiente. Eles queriam também celebrar São Benedito, santo que os representava tanto pela cor quanto pela pobreza.

O detalhe era outra irmandade ligada ao santo que se reunia no Convento de São Francisco. Assim, passaram a acontecer duas procissões: a primeira que saia do Convento de São Francisco, e a segunda que partia do Rosário.

O problema era que apenas uma imagem era partilhada pelas irmandades: de 1º de janeiro até a procissão de Corpus Christi (no meio do ano), a imagem ficava com os irmãos do Convento. No dia seguinte, passava para posse dos irmãos do Rosário.



Em 1832, o guardião da irmandade de São Benedito do Convento de São Francisco proibiu que a imagem saísse em processão a caminho do Rosário. Um ano depois, em 1833, a representação de São Benedito foi roubada e levada para o Rosário, o que gerou a grande rivalidade.

Sem esperanças de reavê-la, os devotos do Convento encomendaram outra imagem do santo e retomaram as celebrações. A festa, mais cerimoniosa e ornamentada, superou a original, o que despertou ciúmes.

Ofendidos com o sucesso dos rivais, os irmãos do Rosário apelidaram os do São Francisco de “Caramurus”, um partido político do Império que tinha fama de ser arrogante e brigão.

Achando que o apelido se referia ao caramuru, peixe traiçoeiro parecido com uma cobra de cor verde, igual ao mantelete que usava em suas vestes, os irmãos do Convento passaram a apelidar os irmãos do Rosário de “Peroás”, peixe sem valor comercial da época, característico pelas suas listras azuis, a cor do mantelete dos irmãos adversários.

A disputa entre as duas irmandades envolveu toda a capital e acabou muitas vezes em violência. Com novas interrupções das procissões, a irmandade do Convento de São Francisco foi extinta.

A irmandade de São Benedito da Igreja do Rosário continua cuidando da igreja até os dias de hoje, e realiza suas procissões pelas ruas do centro histórico todos os anos, no dia 27 de dezembro.

Visitar

“Uma história como a dos ‘Caramurus’ e ‘Peroás’ demonstra a constituição de uma cidade secular como Vitória, e detalha a sua riqueza cultural e histórica”, explica a monitora do Visitar, Poliana Santos.

O Visitar surgiu em 2006, como um projeto de incentivo a visitação por moradores e turistas do Centro Histórico de Vitória, dentro do Programa de Revitalização da região. Ele foi criado pela Prefeitura da capital como instrumento de fomento ao turismo capixaba.

“Nós estamos aqui hoje na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, também denominada de Igreja dos Negros, neste trabalho conscientização, o que resulta em valorização e preservação do patrimônio, uma das marcas do Visitar”, pontua a monitora.

Visitas monitoradas em grupo ou individualmente podem ser realizadas de terça a domingo, gratuitamente, das 9 às 17 horas, inclusive feriados.

De acordo com o site do Instituto Goia, parceira na implantação e coordenação do Visitar, mais de 300 mil pessoas do Estado, de diferentes partes do Brasil e do mundo, já passaram pelo Centro Histórico da capital capixaba.

Ao todo, sete monumentos podem ser visitados. São eles: Theatro Carlos Gomes, Catedral Metropolitana de Vitória, Convento São Francisco, Igreja de São Gonçalo, Convento do Carmo, Igreja do Rosário, e a Capela de Santa Luzia.

Vale ressaltar que ao longo do Centro Histórico existem placas de sinalização interpretativas, com informações geográficas e históricas dos roteiros visitados.

+ História



Nossa Senhora do Rosário é conhecida historicamente por ser uma das protetoras dos negros e escravos no período da escravidão. A padroeira, juntamente com São Benedito, o santo negro e “africano”, motivou a construção de diversas igrejas e templos espalhados por todo o país, símbolos da luta e persistência pela liberdade.

Havia entre as irmandades de São Benedito o ideal de ajudar os negros que ainda eram escravos. Tanto que a partir de 1874, quando já se vislumbrava a abolição da escravatura, os membros das irmandades de São Benedito do Convento de São Francisco e de Nossa Senhora do Rosário, na capitania de Vitória, passaram a formar associações emancipadoras.

Na Igreja do Rosário chegou a funcionar a Casa de Leilões, onde eram leiloados objetos e presentes dados à irmandade. O dinheiro era revertido para a manutenção do templo e também para compra de alforrias de negros cativos. O prédio atualmente ainda se encontra lá.

Decoração



A decoração da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, feita em estuque (argamassa resultante da adição de gesso, água e cal, usada como um aditivo retardador de uma secagem demasiadamente rápida), data provavelmente do século XIX, época das ampliações da sacristia e da construção do segundo pavimento.

 Em 1911, a capela-mor foi reformada e o altar principal substituído pelo atual, em linha reta e estilo eclético. Sua nave única com coro é separada da capela-mor por arco-cruzeiro, conforme padrão das igrejas coloniais brasileiras.

Possui corredores laterais (da pistola e do evangelho), sacristia, sala para reunião e consistório (local de reuniões entre religiosos).



  * Com informações retiradas de informativos contidos na própria Igreja, folders disponibilizados no local, além de repassadas pela monitora da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Poliana Santos.

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